Marcos Mendespesquisador do InsperBRASÍLIA – O economista Marcos Mendes, um dos criadores do extinto teto de gastos, vê um processo de corrosão do arc
Marcos Mendespesquisador do Insper
BRASÍLIA – O economista Marcos Mendes, um dos criadores do extinto teto de gastos, vê um processo de corrosão do arcabouço fiscal após uma série de alterações realizadas pelo governo em menos de um ano de vigência da nova regra.
Após a manobra aprovada pela Câmara, para antecipar um gasto extra de até R$ 15,7 bilhões, e das discussões sobre uma eventual mudança da meta de 2025, Mendes prevê que a próxima flexibilização da lei será no limite de gastos – hoje restrito, pela nova regra, ao intervalo de 0,6% a 2,5% de crescimento real (acima da inflação) e a 70% do aumento das receitas.
“Pode anotar que a próxima medida que virá será para flexibilizar o limite máximo de 2,5%, seja tirando algumas despesas desse limite, seja aumentando esse porcentual”, diz Mendes, que hoje atua como pesquisador do Insper. Ele alerta que o gasto público está crescendo bem acima desse teto: “Vai chegar uma hora que não vão conseguir… E que o problema não será só a meta de primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida); será também o limite de crescimento do gasto”.
O desejo de mexer nesse limite já foi abertamente verbalizado por Lula. Em março, o presidente afirmou que, diante do aumento da arrecadação acima do esperado no início do ano, teria de discutir com o Congresso o limite de gastos públicos, para ver como “utilizar mais dinheiro para fazer mais benefício para o povo”. Dias depois, coube ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, colocar panos quentes e dizer que a alteração do limite de despesas do arcabouço não estava em discussão.
Mendes destaca o avanço das despesas previdenciárias e assistenciais, que são atreladas ao salário mínimo, e a volta dos pisos da educação e da saúde, ligados ao desempenho da receita – regra que também voltou a vigorar para as emendas parlamentares. E diz que isso se soma a uma “predisposição do governo a gastar” e a uma fragilidade do Executivo frente ao Congresso.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
É grave, porque faz parte do processo de corrosão (do arcabouço). É mais uma medida nesse processo. Já teve a reinterpretação do limite de contigenciamento (bloqueio preventivo de despesas), que era para ser R$ 50 bilhões e o governo releu como se o gasto tivesse que crescer 0,6% ao ano (piso para variação da despesa, estabelecido no arcabouço, que levaria a um contingenciamento máximo de cerca de R$ 26 bilhões). Já teve a retirada do teto das novas despesas do fundo da bolsa voltada ao ensino médio; e a retirada de R$ 5 bilhões de recursos (da meta) para cobrir déficit de empresas estatais. Agora, tem todo esse movimento de mudança da meta para não ter de cumprir as condicionalidades que são impostas quando ela é rompida. Ou seja, é um processo gradual de deterioração da regra, que demonstra claramente que o governo não está propenso a cumpri-la. E pode anotar que a próxima medida que virá será para flexibilizar o limite máximo de 2,5%, seja tirando algumas despesas desse limite, seja aumentando esse porcentual.
Pode anotar que a próxima medida que virá será para flexibilizar o limite máximo de 2,5%, seja tirando algumas despesas desse limite, seja aumentando esse porcentual.
Por quê?
Porque a despesa está crescendo muito mais do que 2,5% ao ano em termos reais. Vai chegar uma hora que não vão conseguir… E que o problema não será só a meta de primário; será também o limite de crescimento dos gastos.
Olhando em retrospecto, as primeiras mudanças no teto de gastos demoraram cerca de três anos. No caso do arcabouço, foram quase imediatas, antes mesmo de a regra completar um ano…
Na época do teto, você tinha uma crise econômica grave, que deixou a classe política muito preocupada, a ponto de aceitar a imposição do teto. Você tinha que mudar o regime fiscal, estava com uma crise e a classe política aceitou essa imposição. Tanto é que não houve fragilização ou afrouxamento das regras em relação ao que foi proposto pelo Executivo. O Congresso, aliás, tornou até mais rígido durante a tramitação. A corrosão do teto começou a acontecer quando a economia tirou o nariz de dentro da água. Quando a gente saiu da recessão, acabou o senso de urgência entre os políticos e ai resolveram voltar ao business as usual. “Ah, vamos afrouxar aqui, vamos afrouxar ali”. E acabou como acabou.
A corrosão do teto começou a acontecer quando a economia tirou o nariz de dentro da água. Quando a gente saiu da recessão, acabou o senso de urgência entre os políticos.
E o arcabouço?
O arcabouço nasceu de forma diferente, num governo que decidiu, de largada, aumentar em 1,8% do PIB a despesa pública com a PEC da Transição. Na linha: ‘Vamos gastar e depois a gente dá um jeito’. Desde que foi lançado o arcabouço, eu já dizia que não ia parar de pé pelo seguinte: a despesa vai crescer muito forte, porque os benefícios previdenciários e assistenciais são indexados ao salário mínimo, que voltou a ser reajustado acima da inflação; porque reindexaram o piso de saúde e educação e as emendas parlamentares à receita; e porque há uma predisposição a gastar. E, além disso, porque há uma fragilidade do governo frente ao Congresso, que não consegue barrar esse aumento avassalador de emendas parlamentares.
E, hoje, o cenário econômico também é diferente do observado em 2016…
Exato. Hoje não se vive aquela crise econômica que vivia na época do teto, a qual mobilizou a classe política para aprovar a medida. Pelo contrário, há uma sensação de: “Ah, a economia está crescendo, o emprego está batendo recorde, está tudo bem, não tem que olhar para a questão fiscal”. Então, junta todos esses fatores, não tem nenhum freio para segurar a deterioração do arcabouço, que não seja a opinião pública, a crítica e o debate.