O Supremo Tribunal Federal (STF) julga se o porte de drogas para consumo pessoal deve ser considerado crime ou não. A análise foi retomada no último d
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga se o porte de drogas para consumo pessoal deve ser considerado crime ou não. A análise foi retomada no último dia 6, mas novamente interrompida pela Corte. Oito dos 11 ministros já votaram sobre o tema, e o placar está em cinco votos a três a favor da descriminalização do porte de maconha para uso próprio.
Os ministros favoráveis à descriminalização argumentam que o uso de pequena quantidade de maconha é um direito de cada pessoa, com consequências individuais à saúde dos usuários. Também consideram que o fato de o porte ser crime aumenta o encarceramento de pessoas vulneráveis.
Já os ministros contrários avaliam que a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio pode estimular o vício e agravar o combate às drogas no País. Além disso, alegam que a decisão do Supremo de tornar o ilícito administrativo pode criar uma lacuna sobre o tipo de punição e o responsável por aplicá-la.
A Suprema Corte está julgando a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas, que, para diferenciar traficantes de usuários, descreve penas alternativas para “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. As penas podem ser prestação de serviços comunitários, advertência sobre os efeitos das drogas e cursos educativos obrigatórios.
Apesar de deixar de prever a prisão dos usuários, a lei, que passou a vigorar em 2006 e instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, manteve a criminalização dos usuários, que podem ser alvos de inquérito policial e processos judiciais. Entretanto, não há diretrizes objetivas sobre a quantidade de droga que faz alguém ser enquadrado como usuário ou como traficante.
Até agora, o colegiado formou maioria para fixar uma quantidade da planta para haver diferenciação clara sobre quem é usuário e quem é traficante. Ainda não há consenso, entretanto, sobre quantos gramas farão essa marcação.
A votação começou em 2015 e tinha sido paralisada pela última vez em agosto de 2023, quando o ministro André Mendonça solicitou mais tempo para avaliar o processo. O julgamento foi novamente interrompido por um pedido de vista, agora do ministro Dias Toffoli. Além dele, ainda faltam votar os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Veja como votou cada ministro até agora e quais foram os argumentos usados para justificar o posicionamento contrário ou favorável à descriminalização da maconha.
Gilmar Mendes
Posição: A favor da descriminalização.
Quando votou: 20 de agosto de 2015 e reformulou em 24 de agosto de 2023.
Quantidade para porte: 25 a 60 gramas ou seis plantas fêmeas.
Argumento: O ministro relator do caso, Gilmar Mendes, defende que a conduta de usuário de drogas não é crime. Quando proferiu seu voto, em 2015, ele tinha esse entendimento para todos os tipos de drogas, mas em 2023 seguiu o voto do ministro Edson Fachin e passou a considerar apenas a maconha.
Para ele, a decisão sobre usar a substância é privada e recai sobre a saúde do próprio indivíduo. “Está-se a desrespeitar a decisão da pessoa de colocar em risco a própria saúde”, argumentou.
Ele sustentou ainda que criminalizar essa conduta provoca estigmatização, o que, consequentemente, prejudica a redução de danos e prevenção de riscos.
Em seu voto, o ministro ainda elencou as diferenças entre “descriminalizar” e “legalizar”, frisando que a segunda é um processo legislativo que autoriza e regula o consumo, o que não é o que está sendo proposto no julgamento.
“A tipificação penal do Artigo 28 afronta o postulado constitucional da proporcionalidade, por se tratar de conduta cuja lesividade se restringe à esfera pessoal do usuário”, disse o ministro, ao reformular o voto no ano passado.
Edson Fachin
Posição: A favor da descriminalização.
Quando votou: 10 de setembro de 2015.
Quantidade para porte: Diz que os parâmetros para diferenciar traficantes de usuários não devem ser fixados pelo Judiciário, mas sim pelo Legislativo.
Argumento: O ministro Edson Fachin afirmou que a regra é inconstitucional exclusivamente em relação à maconha, e que o consumo da substância faz parte da autodeterminação individual e que não causa dano a bem alheio. Ele baseou o seu voto no respeito à “liberdade e autonomia privada” e nos limites que devem existir na “interferência estatal sobre o indivíduo”.
De acordo com o magistrado, caracterizar o uso de maconha como crime é uma atitude moralista e paternalista do Estado. Fachin ressalvou que o tema é “hipercomplexo” e “não há resposta perfeita”.
“São somente condutas derivadas desse consumo que resultam em tais danos – como o furto para sustentar o vício. Tais condutas derivadas, porém, já são previstas como crime por outros dispositivos penais, não sendo necessário criminalizar o porte de drogas para consumo próprio.”
“Chega-se aqui a um ponto nodal: o dependente é vítima e não criminoso germinal”, enfatizou o ministro.
Luís Roberto Barroso
Posição: A favor da descriminalização.
Quando votou: 10 de setembro de 2015.
Quantidade para porte: 25 gramas ou seis plantas fêmeas.
Argumento: Para o ministro Luís Roberto Barroso, as estatísticas mostram que descriminalizar a maconha não produz impacto relevante sobre o consumo da substância, portanto, não faz sentido o Estado continuar gastando com prisões, mantendo um alto índice de encarceramento, para manter o nível de consumo nos mesmos patamares. Barroso também argumentou que criminalizar o uso da maconha seria uma interferência indevida do Estado na vida privada das pessoas.
“Se o indivíduo, na solidão de suas noites, beber até cair desmaiado na cama, pode parecer ruim, mas não é ilícito. Se ele fumar meia carteira de cigarros entre o jantar e a hora de dormir, isso certamente parece ruim, mas não é ilícito. Pois digo eu, o mesmo deve valer se ele, em vez de cigarro, fumar um baseado entre o jantar e a hora de ir dormir. Eu não estou dizendo que é bom, apenas estou dizendo que o Estado não deve invadir essa esfera da vida dele para dizer se ele pode ou não pode”, afirmou.
“Não havendo lesão a bem jurídico alheio, a criminalização do consumo de maconha não se afigura legítima”, acrescentou.
O ministro defendeu a adoção de 25g com base na experiência de Portugal, que descriminalizou o porte de drogas em 2001. Barroso argumentou ser prudente seguir a experiência de um “país com uma bem sucedida experiência de mais de uma década na matéria”.
“Deixar essa distinção (entre traficante e usuário) a critério das autoridades, seja policial ou judicial, apenas escancara o racismo presente nas instituições”, disse o ministro ao defender a necessidade de fixar uma quantidade específica de droga para enquadrar o portador como criminoso.
Alexandre de Moraes
Posição: A favor da descriminalização.
Quando votou: 2 de agosto de 2023.
Quantidade para porte: 60 gramas ou seis plantas fêmeas.
Argumento: Alexandre de Moraes defendeu que desde a criação da Lei de Drogas, por haver critérios objetivos sobre consumo e tráfico, a norma é interpretada de formas diversas, o que fere o princípio da isonomia. O ministro argumentou que a população carcerária aumentou significativamente graças ao porte de pequena quantidade de entorpecentes passar a ser qualificado como tráfico e propôs que pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou seis pés de maconha sejam presumidas como usuárias. Moraes chegou nesse número usando como base o volume médio de apreensão de drogas no Estado de São Paulo, entre 2006 e 2017.
O ministro apresentou dados da Associação Brasileira de Jurimetria, segundo os quais 25% dos presos no País respondem pelo crime de tráfico de drogas. Moraes argumentou que a maior parte dessa população carcerária poderia ser enquadrada como usuária, se houvesse um critério objetivo. Ele ainda afirmou que a política de drogas no Brasil segue as diretrizes implementadas pelo então presidente norte-americano Richard Nixon, que declarava “o uso abusivo de drogas é o inimigo número um dos Estados Unidos”.
“O STF tem o dever de exigir que a lei seja aplicada identicamente a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade”, argumentou. “É possível constatar que os jovens, em especial os negros (pretos e pardos), analfabetos são considerados traficantes com quantidades bem menores de drogas (maconha ou cocaína) do que os maiores de 30 anos, brancos e portadores de curso superior”, disse.
“A necessidade de equalizar uma quantidade média padrão como presunção relativa para caracterizar e diferenciar o traficante do portador para uso próprio vai ao encontro do tratamento igualitário entre os diferentes grupos socioculturais, como medida de Justiça e Segurança Jurídica, diminuindo-se a discricionariedade das autoridades públicas”, afirmou.
Rosa Weber (aposentada)
Posição: A favor da descriminalização.
Quando votou: 24 de agosto de 2023.
Quantidade para porte: 60 ou 100 gramas.
Argumento: Rosa Weber afirmou que a criminalização da conduta – o porte de maconha – é desproporcional, por atingir de forma veemente a autonomia privada. Segundo a ministra, a mera tipificação como crime do porte para consumo pessoal potencializa o estigma que recai sobre o usuário e acaba por aniquilar os efeitos pretendidos pela lei em relação ao atendimento, ao tratamento e à reinserção econômica e social de usuários e dependentes.
A magistrada afirmou que uma decisão favorável a criminalização seria “transformar todo usuário de entorpecente em potencial traficante e criminoso”. “A autonomia é a parte da liberdade que não pode ser suprimida por interferências sociais ou estatais”, defendeu.
Além disso, argumentou que a criminalização provoca o encarceramento de pessoas vulneráveis. “As nossas prisões estão cheias de meninos e meninas, geralmente negros, pardos e, na imensa maioria, está lá em função do tráfico.”
A ministra afirmou que a análise do Supremo não está estimulando o consumo de drogas. “Penso que o STF pode ajudar nessa solução, sem prejuízo na atuação do Congresso. Quem despenalizou para o usuário foi o Congresso, em 2006. Se mantém apenas a criminalização, o Supremo daria um passo no sentido de descriminalizar quando se trata de uso próprio”, disse.
Como a ministra já deixou seu voto registrado, seu sucessor, o ministro Flávio Dino, não poderá mudar o entendimento da ministra aposentada.
Cristiano Zanin
Posição: Contra a descriminalização.
Quando votou: 24 de agosto de 2023.
Quantidade para porte: 25 gramas ou seis plantas fêmeas.
Argumento: Cristiano Zanin reconheceu que o atual sistema penal é falho, e que não despenaliza pessoas negras, pobres e de baixa escolarização. Mas no entendimento do ministro, a descriminalização apresenta “problemas jurídicos” que podem agravar o combate às drogas. Ele citou que a descriminalização, “ainda que parcial do consumo de drogas”, poderia contribuir para um suposto agravamento de problemas de saúde pública relacionados ao vício.
Com o voto, ele foi o primeiro a se posicionar contra a descriminalização da maconha no julgamento. Zanin considera que tirar o trecho da Lei de Drogas acabará com qualquer parâmetro para definir quem é usuário e quem é traficante. “A declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343, com o máximo respeito, poderia até agravar o problema (de encarceramento), ao retirar do mundo jurídico os únicos parâmetros existentes para diferenciar o usuário do traficante”, justificou o ministro.
Cristiano Zanin disse também que o texto da lei não trata de “descriminalizar”, mas sim em “despenalizar” o uso. Para ele, o que falta é estabelecer parâmetros específicos para definir a quantidade máxima para ser considerada como uso pessoal, algo ainda não previsto na norma.
“Não tenho dúvida que os usuários de drogas são vítimas do tráfico e das organizações criminosas para exploração ilícita dessas substâncias. A descriminalização, ainda que parcial das drogas, poderá contribuir ainda mais para esse problema de saúde pública”, afirmou.
O voto contra a descriminalização da maconha provocou críticas de apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que consideraram a posição do ministro conservadora. O posicionamento sobre porte de drogas para uso pessoal foi um dos primeiros do indicado pelo petista à vaga no STF.
André Mendonça
Posição: Contra a descriminalização.
Quando votou: 6 de março de 2024.
Quantidade para porte: 10 gramas, mas só até o Congresso decidir sobre o tema.
Na avaliação de André Mendonça, a descriminalização do porte da maconha para uso pessoal é uma tarefa do Poder Legislativo. “Vamos jogar para um ilícito administrativo. Qual autoridade administrativa? Não é para conduzir para a delegacia? Quem vai conduzir quem? Para onde? Quem vai aplicar a pena? Ainda que seja uma medida restritiva. Na prática, nós estamos liberando o uso.”
Mendonça defendeu que seja dado prazo de 180 dias para que o Congresso estabeleça critérios objetivos para diferenciar usuários de possíveis traficantes. Até lá, defende que seja fixada a quantidade de 10 gramas para orientar a diferença entre consumo próprio e tráfico.
O ministro ainda apresentou um estudo acadêmico produzido por professores que integram o Grupo de Estudos em Saúde do Homem da Universidade de São Paulo (USP) com detalhes sobre os malefícios do uso da maconha e de outras substâncias dela derivadas. De acordo com Mendonça, o trabalho cita que a quantidade de 10 gramas de cannabis, por ele defendida para a descriminalização, equivalem a cerca de 34,5 “cigarros”.
Após ler esse e outros estudos com tal conclusão, o ministro afirmou: “Isso faz a maconha, isso faz fumar maconha. É o primeiro passo, se é pra dar o primeiro passo, para precipício”.
Kassio Nunes Marques
Posição: Contra a descriminalização.
Quando votou: 6 de março de 2024.
Quantidade para porte: 25 gramas ou seis plantas fêmeas.
Argumento: Segundo o ministro Nunes Marques, o recurso que pede a declaração de inconstitucionalidade do artigo da Lei de Drogas envolve uma “reorientação radical da jurisprudência” do STF. Para o magistrado, o Legislativo despenalizou a conduta ao prever punições diversas da prisão.
Na avaliação do ministro, os parlamentares adotaram uma política criminal “voltada claramente para o desencarceramento” diante do problema de lotação dos presídios, além de “priorizar aspectos pedagógicos e informativos em torno do malefício das drogas, de modo a afastar a estigmatização dos usuários”.
De acordo com Nunes Marques, não há dúvidas de que o tráfico de drogas é financiado pelos usuários finais e que, sendo assim, “o legislador penal atua para tutela legítima da saúde pública”.
“Não há dúvidas de que o tráfico de drogas acaba sendo financiado pelos usuários finais. Assim o legislador penal atua para tutela legítima da saúde pública e adotou o modelo de política criminal em que reservou o caráter ilícito, de natureza penal, das condutas de adquirir, guardar e portar drogas para uso pessoal, conferindo-lhes tratamento ameno ao prever a aplicação de medidas de cunho preventivo e pedagógico”, disse.
Na avaliação do ministro, o debate sobre a descriminalização do porte de maconha deve ocorrer no Parlamento, uma vez que a discussão sobre o tema é “complexa” e “não foi finalizada pela sociedade brasileira”. Ele ainda afirmou que “o grande argumento” que a família “pobre brasileira”, “que não tem a instrução que nós temos e não pode dialogar com seus filhos”, tem com um suposto filho viciado ou “iniciático em droga”, é o da ilicitude das substâncias.
Assim como Barroso, o ministro também fez menção à experiência de Portugal com a descriminalização da maconha. Diferentemente do colega, no entanto, Nunes Marques citou notícias recentes de autoridades portuguesas preocupadas com o crescimento do consumo de drogas no País. “A descriminalização poderia induzir consequências imprevisíveis sobre o consumo em locais públicos, principalmente em escolas e outros locais frequentados por crianças e adolescentes”, disse. O voto de Barroso foi dado em 2015.