O contador João Muniz Leite, de 60 anos, é um dos alvos da Operação Fim da Linha, deflagrada na manhã desta terça-feira, 9, pelo Grupo Atuação Especia
O contador João Muniz Leite, de 60 anos, é um dos alvos da Operação Fim da Linha, deflagrada na manhã desta terça-feira, 9, pelo Grupo Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). A 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital expediu mandado de busca e apreensão em busca de provas que corroborem os indícios de que ele seria um dos personagens centrais na montagem do esquema de lavagem de dinheiro da facção pela empresa de ônibus UPBus.
Quando começou a ser investigado em 2021 no âmbito da Operação Ataraxia, do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), Muniz era suspeito de ter amealhado 55 prêmios na loteria. Ao ser ouvido pelos policiais, meses depois, ele admitiu ter ganhado 250 vezes na mais diversas loterias, conforme revelou o Estadão em fevereiro.
Mas o número não para de crescer. Desta vez, dados trazidos à investigação pela Polícia Federal mostram que a sorte do contador foi muito maior. O inquérito da PF mostrou que ele e a mulher, Aleksandra Silveira Andriani ganharam juntos 640 vezes nas Lotofácil, Mega Sena e Quina. No caso de Aleksandra, foram 462 prêmios entre 18 de dezembro de 2020 e 25 de novembro de 2021, recebendo R$ 2,45 milhões, após ter apostado R$ 2,14 milhões. Já o marido, de 3 de janeiro de 2019 a 17 de abril de 2021 foi agraciado com 178 vezes, auferindo R$ 17.528.815,00, depois de apostar R$ 381.625,00.
Muniz ficou conhecido como o Contador do Lulinha por ter trabalhado para Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem também prestou serviços. Muniz chegou a ser ouvido como testemunha durante a Operação Lava Jato no processo do caso do triplex do Guarujá, pelo então juiz Sérgio Moro. De 11 de novembro de 2019 até 31 de julho de 2023, segundo dados da Junta Comercial de São Paulo, Lulinha manteve uma de suas empresas, a G4 Entretenimento e Tecnologia Digital Ltda, registrada no mesmo endereço do escritório de Muniz, na zona oeste da capital. A defesa de Lulinha diz que as investigações sobre Muniz nunca atingiram o filho do presidente.
Em meio à investigação sobre a captura do sistema de transportes pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), os investigadores encontraram indícios da formação de uma grande rede de negócios para a lavagem de dinheiro do crime organizado, que inclui escritórios de contabilidade, agentes, fundos imobiliários, empresas de máquina de cartão de crédito e débito e distribuidoras de combustível.
É nesta rede de empresários, contadores, advogados e criminosos que entram as suspeitas envolvendo Muniz e seus clientes ligados à UPBus. Nos últimos sete anos, enquanto a empresa registrava prejuízos de até R$ 5 milhões por ano, só um de seus acionistas, Admar de Carvalho Martins, teria recebido R$ 15 milhões em “lucros distribuídos”.
Martins, segundo os promotores seria ligado a acusados de outros esquemas de lavagem, como o que envolveria a distribuição de combustível Noroest Distribuidora de Combustíveis e o que envolveria e empresa Zipag Correspondente e Cobrança, que, de acordo com as investigações, teve movimentações financeiras de R$ 974,3 milhões em 2022, mas declarou uma receita bruta de R$ 10,4 milhões.
De acordo com o Gaeco, Martins ocultou e dissimulou a natureza, origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes dos crimes de tráfico de drogas e organização criminosa para aquisição, em nome próprio, de 58 cotas do capital social da UPBus, avaliadas em R$ 7.168.800,00, entre os anos de 2015 e 2021.
lém de relações com o grupo de Martins, Muniz teria relação ainda com os principais líderes do PCC envolvidos com a empresa. Seriam, segundo o Gaeco, Sílvio Luiz Correia, o Cebola. Foragido por ter sido condenado por tráfico de drogas – ele foi solto no plantão judicial pelo desembargador Otávio Henrique de Sousa Lima, do Tribunal de Justiça de São Paulo, posteriormente aposentado compulsoriamente, após soltar outro traficante: Welinton Xavier dos Santos, o Capuava – Cebola é relacionado a outro personagem conhecido de Muniz: o advogado Ahmed Hassan Saleh, o Mude.
Uma das provas da relação do contador com os acusados seria o fato de ele ter transmitido as declarações de renda de Cebola, Mude, de Décio Gouveia, o Décios Protuguês e dos traficantes de droga Claudio Marcos de Almeida, o Django, e Anselmo Becheli Santa Fausta, o Magrelo ou Cara Preta, do mesmo MAC Adress. Além disso, ele recebeu com Magrelo um prêmio na Mega sena de mais de R$ 40 milhões, após ter sido responsável pela abertura de uma empresa com uma identidade falsa usada pelo traficante.
A reportagem procurou o contador, mas não conseguiu localizá-lo. De acordo com os investigadores, mais da metade do valor recebido em loteria por Magrelo foi transferido, por meio de operação controlada por João Muniz, a empresas aparentemente de “prateleira”, em nome de uma mulher, que recebia, em 2020, R$ 5 mil mensais em seu emprego.
Por fim, a Receita Federal concluiu que os lucros obtidos pelo contador não são compatíveis com a receita bruta de suas empresas, mesmo que considerados os valores recebidos com a premiação das loterias. Em 2022, ele declarou receber R$ 1,8 milhão da JML Consultoria e Assessoria Empresarial LTDA – a sua empresa –, que teve receita bruta declarada de apenas R$ 162.666,67.
No fim de 2022, Muniz foi ouvido pelo Denarc e admitiu que, por cinco anos, teve Magrelo entre seus clientes, ainda que o conhecesse apenas pelo nome falso de Eduardo Camargo de Oliveira. Também admitiu que ganhara na loteria, mas negou qualquer participação na lavagem de dinheiro do crime organizado.
Magrelo ou Cara Preta foi assassinado em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé, na zona leste, ao lado de seu motorista, Antonio Corona Neto, o Sem Sangue. Em junho de 2022, a 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro da Justiça Estadual de São Paulo determinou o bloqueio de R$ 45 milhões em imóveis e ônibus de integrantes do PCC e do contador.
De acordo com o Gaeco, Magrelo era um dos maiores traficantes de drogas do País. Responsável por receber cocaína do Peru e da Bolívia e reenviá-lo para a Europa, ele atuava na conexão que uniu o PCC à Máfia dos Bálcãs e à ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, no sul da Itália. Em 2021, ele foi investigado sob a suspeita de ter financiado o roubo de 770 quilos de ouro no Aeroporto de Guarulhos, acumulando uma fortuna estimada em R$ 500 milhões. Segundo os promotores, só entre abril e setembro daquele ano, ele movimentou R$ 105.987.085,00.